No livro infantil ‘Sagatrissuinorana’ escrito por João Luiz Guimarães e ilustrado por Nelson Cruz, o fato e a fábula andam juntos. Mas o que pode ser mais assustador que o lobo mau da história dos três porquinhos? Esse texto que está na contracapa do livro encerra com a frase que pode sugerir a resposta: “Às vezes, o homem pode ser o lobo do lobo”. 

A fábula clássica dos três porquinhos é recontada com a metáfora do crime do rompimento das barragens nas cidades mineiras de Mariana (2015) e Brumadinho (2019). A última que completa três anos no dia 25 de janeiro.

“Já tinha acontecido anos antes em Mariana, mas em Brumadinho o impacto foi diferente, porque dava pra ver as pessoas correndo e era algo indizível. E as imagens se repetiam na televisão, na internet e aquela lama era infinita. E aí ao escrever fiquei pensando como as crianças estavam processando aquilo que era mais assustador que o lobo. Essa lama que engole e que soterra o lobo no sentido simbólico. O lobo como esse ponto de fuga que projetamos todos os nossos medos, nossas angústias na infância das coisas que ainda não estão elaboradas”, explica o escritor João Luiz Guimarães.

Ganhador do Prêmio Jabuti 2021 nas categorias infantil e livro do ano, a obra ilustrada se inspira na escrita de Guimarães Rosa desde o título. “Saga”, como é chamado pelo próprio autor, nasceu de um exercício criativo na pós-graduação em literatura. No início João conta que achou que o texto era violento demais.

Inspirado na escrita de Guimarães o livro brinca com as palavras, com a linguagem, com as imagens. O título apesar de parecer complicado ‘Sagatrissuinorana’  é uma referência a Sagarana, um dos livros de contos mais famosos de Guimarães Rosa. O título do livro de João e Nelson pode ser entendido como ‘A Saga dos Três Porquinhos’.

“Peguei esse mesmo vocábulo do mesmo jeito que ele brincava com as palavras e afastei a palavra ‘Sagarana’ e coloquei suíno no meio [trissuino] que são três porquinhos. Então ficou como se fosse assim, a Saga dos Três Porquinhos. A palavra esquisita de dizer e eu gostei disso, desse estranhamento. Eu tô seguindo Guimarães porque ele não facilitava e era esse jogo, a língua era um grande brinquedo para ele”, traduz João que é roseano apaixonado.

O mar de lama nas ilustrações aparece devagar no meio das montanhas mineiras, a cada página ela cresce no meio da paisagem e chega destruindo tudo ao redor, os porquinhos e o lobo. Ao todo foram 270 pessoas que morreram no crime de Brumadinho e seis pessoas ainda seguem desaparecidas. Ninguém foi punido.

O processo criativo de Nelson começou quando ele ouviu as primeiras notícias do crime de Mariana e Brumadinho e como as autoridades passaram a minimizar a gravidade do fato. Nelson mora em Santa Luzia próximo de Bento Rodrigues e de Mariana e acompanhou os impactos do crime nas famílias afetadas.

O livro ‘Sagatrissuinorana’, foi publicado pela editora independente Ôzé e é uma homenagem às vítimas dos dois crimes.

Foto: Divulgação

 

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